Muito mais que simplesmente representar duas ações musicais independentes (tocar e cantar), este procedimento performático visa um resultado estético: provocar no ouvinte uma escuta e sensação isolada e conjunta de fazeres musicais diversificados e os seus efeitos na completude da canção.
A amplitude perceptiva do ouvinte instigada em captar na execução simultânea musical o ‘tocar uma coisa e cantando outra’ –, leva-o para outro parâmetro da escuta. Perceber as partes isoladas e independizadas ali – o violão, a voz, a letra, o arranjo geral da canção – fortemente conectadas no sentido e no imagético contido na letra, e simultaneamente, ouvir todos estes elementos em conjunto, sua complementaridade provoca neste ouvinte outra experiência de escuta e de contato estético com a canção.
Tocar o violão independizando sons, cordas, dinâmicas, notas, ritmos e simultaneamente cantar, projetar o som, apoiá-lo, dinamizá-lo e timbrá-lo com o violão produz uma combinação sonora significativa a qual singulariza uma ação performática.
Aqui também a corporalidade[1] do artista solicita um malabarismo e é convocada em função de o quê este toca e canta, onde e como. Estas constantes ações contínuas atuando nos limites do corpo, do instrumento e do repertório exigem do artista um estado contínuo de desestabilização em prol de um modo pessoal de dizer, se expressar.
O movimento musical se maleabiliza e concilia no movimento corporal inscrevendo na ação musical nuances, detalhes no toque do instrumento, no cantar, nos meneios de corpo, na respiração, etc.
Assim a canção é contemplada, por vezes, na sua dimensão em detalhes dos movimentos; noutras, na dimensão dos movimentos nos detalhes contidos.
Organizar todas estas ações no corpo pressupõe tê-las interiorizadas, incorporadas.
Mas qual a finalidade de tocar e cantar assim deste modo?
Não seria mais simples apenas cantar e se acompanhar ao violão?
Ao individualizar o violão da voz, especificamente do músico é exigida uma independização cerebral: tocar uma coisa e cantar outra; do ouvinte, um desbloqueio cultural do seu parâmetro de escuta.
Ouvir o violão, o canto, o som[2], seus timbres isolada e conjuntamente propicia e convoca o ouvinte a renovadas escutas; ao músico, renovadas perspectivas autorais e performáticas enriquecendo assim a experiência do convívio orgânico e estimulante entre aquele que produz e aquele que aprecia.
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Ouça aqui a canção “Balagulá, Xibimba”
Assista o Clip da Canção “Balagulá, Xibimba”:
[1] SCHROEDER, Jorge Luiz. Corporalidade musical: as marcas do corpo na música, no músico e no instrumento, 2006.
[2] “O som, então deixa de ser a força única da música, tornando-se um meio, um receptáculo de outras forças, forças internas que se potencializam na contextualidade interpretativa, no gesto, propiciando o entendimento de que a performance vai além da técnica e do talento […] deparando-se com o fato de sua “complexidade” interpretativa resultar na singularidade do acontecimento.” (LABOISSIÈRE, Marília. Interpretação musical: a dimensão recriadora da “comunicação” poética. 2007, p.77)
*Extraído do livro-cd “Tamburilando Canções – Violão com Voz” de Felipe Azevedo, pp: 50-51.