Foto: Guilherme Solera

Muito mais que simplesmente representar duas ações musicais independentes (tocar e cantar), esta prática visa provocar um efeito na sensibilidade do ouvinte: instigar e despertar uma escuta isolada e conjunta de fazeres musicais distintos – o Tocar e Cantar – e os seus efeitos no resultado final de uma canção.

A maneira como o ouvinte capta uma execução musical simultânea – o ‘tocar uma coisa e cantando outra’ –, leva-o para outro estágio da escuta.

Perceber as partes isoladas e independizadas ali – o violão, a voz, a letra, o arranjo geral da canção – fortemente conectadas no sentido e no imagético contido na letra, e simultaneamente, ouvir todos estes elementos em conjunto, provoca neste ouvinte outra experiência de escuta e de contato estético com a canção.

Tocar o violão independizando sons, cordas, dinâmicas, notas, ritmos e simultaneamente cantar, projetar o som, apoiá-lo, dinamizá-lo e ‘timbrá-lo’ com o violão, produz uma combinação sonora significativa a qual diferencia uma apresentação musical.

Aqui também o corpo[1] do artista solicita um malabarismo e é convocado em função de o quê este artista ‘toca e canta’, onde e como ‘toca e canta‘.

Estas constantes ações contínuas atuando nos limites do corpo, do instrumento e na escolha do repertório solicitam do artista um estado contínuo de desestabilização em prol de um modo pessoal e singular de dizer e se expressar.

O movimento musical se maleabiliza e concilia no movimento corporal inscrevendo na ação musical nuances, detalhes no toque do instrumento, no cantar, nos meneios de corpo, na respiração, etc.

Assim, a canção é contemplada e percebida, por vezes e integralmente, pelos detalhes dos pequenos movimentos; noutras, na amplitude dos movimentos contidos em cada detalhe.

Organizar todas estas ações no corpo pressupõe tê-las interiorizadas, incorporadas.

Mas qual a finalidade de tocar e cantar assim deste modo?

Não seria mais simples apenas cantar e se acompanhar ao violão?

Ao individualizar o violão da voz, especificamente do músico é exigida uma independização cerebral: tocar uma coisa e cantar outra; do ouvinte, um desbloqueio cultural do seu parâmetro de escuta.

Ouvir o violão, o canto, o som[2], seus timbres isolada e conjuntamente propicia e convoca o ouvinte a renovadas escutas; ao músico, renovadas perspectivas autorais e performáticas enriquecendo assim a experiência do convívio orgânico e estimulante entre aquele que produz o som e aquele que o aprecia.

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Ouça aqui a canção “Balagulá, Xibimba”

Assista o Clip da Canção “Balagulá, Xibimba”:

[1] SCHROEDER, Jorge Luiz. Corporalidade musical: as marcas do corpo na música, no músico e no instrumento, 2006.

[2] “O som, então deixa de ser a força única da música, tornando-se um meio, um receptáculo de outras forças, forças internas que se potencializam na contextualidade interpretativa, no gesto, propiciando o entendimento de que a performance vai além da técnica e do talento […] deparando-se com o fato de sua “complexidade” interpretativa resultar na singularidade do acontecimento.” (LABOISSIÈRE, Marília. Interpretação musical: a dimensão recriadora da “comunicação” poética. 2007, p.77)

*Extraído do livro-cd “Tamburilando Canções – Violão com Voz” de Felipe Azevedo, pp: 50-51.