GAÚCHO FELIPE AZEVEDO LANÇA LIVRO-CD
Por: Kiko Ferreira
Quem gosta de uma experiência musical que vá além de, simplesmente, inserir um CD num equipamento ou computador e deixar tocar vai se deliciar com ‘Tamburilando canções – Violão com voz’, quarto lançamento do gaúcho Felipe Azevedo. Projeto multimídia selecionado pelo Edital Funarte de Canção Popular, em 2008, o trabalho inclui livro, disco e um hotsite interativo em que o autor destrincha seu processo de criação e trata das diversas interações entre o instrumento e a voz, com um resultado que revela apuro, cuidado, inteligência e sensibilidade.
O núcleo do projeto é a relação entre voz e violão. A convenção é que as seis cordas de aço ou nylon sejam ferramenta de acompanhamento da melodia, capitaneada pelas cordas vocais. Mas, depois de construir uma linha de raciocínio que vai do pioneiro Eduardo das Neves (1874 – 1919) às análises e releituras da canção feitas por Luiz Tatit e José Miguel Wisnik, entre outros, Fernando pesquisou Dorival Caymmi, Baden, Garoto, Gilberto Gil, João Bosco, Lenine e (re)inventores selecionados por preferência pessoal para trabalhar num sentido em que essas posições funcionem de maneira invertida.
Explica-se: em vez de atuar como acompanhante, o violão assume igual papel de protagonista, dialogando de igual para igual com a voz. A pretensão é de que os dois estabeleçam o que ele chama de “diálogo de primazia”, ocupando planos interdependentes, mas de igual valor. Mesmo que em alguns momentos um ou outro ganhe destaque na canção. Completam o quadro a letra e a performance, criando uma sucessão de imagens que o autor compara a um efeito 3D. Daí vem o título, em que a expressão tamburilando reúne tamborilar (percutir) e burilar (aprimorar).
Apresentado pelos compositores Guinga e Fernando Mattos, que enfatizam a beleza e a elaboração das melodias, a variedade rítmica a diversidade de texturas, o livro merece atenção por horas de fruição, apresentando ensaios, análises, comentários, partituras, letras e até uma entrevista. Tudo para enriquecer a audição do CD, reforçando uma das facetas do trabalho do cantor, compositor, ensaista e violonista: a de educador.
Com 12 temas de Felipe, mais uma releitura do batuque ‘Oi cangarô’, de domínio público, o CD tem maracatu (‘Linha de impasse’, com um jeito de Celso Adolfo na construção), coco com samba de roda (‘Balagulá, Xibimba’), rap-coco (‘Tamburilando’ e ‘Tecendo a cidade’, com citação de poema de Augusto de Campos), modinha (‘Bosque e lua’), lundu (‘Kundo do desencaixe’), milonga (‘Ribeira Fronteira’), choro (‘Choro deslizante’), valsa (‘A janela entrebaerta’), alujá (‘Kibungo gere’), um mix de partido alto e baião (‘Maracaxá’), coco com partido alto (‘Tamburilando’) e termina com o aboio ‘Viola quietinha’.
Coerente com a proposta, o diálogo de voz e violão assume o primeiro plano, com discretas participações das vozes de Bebeto Alves e Adriana Marques, da flauta de Ayres Potthoff e do bandolim de Pedro Franco. Semelhante, em vários momentos, a obras de autores igualmente cuidadosos com suas intenções, como Sérgio Santos, João Bosco, Guinga e Luiz Tatit, ‘Tamburilando canções’ é quase uma defesa de tese. Raramente se viu, na música brasileira, trabalho defendido com tanto cuidado nos detalhes e nas intenções.
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