Quando comecei a compor, por volta dos 16 anos de idade, meu foco maior se manteve inicialmente na melodia e harmonia. Sequer imaginava que mais tarde iria encontrar e criar o meu próprio estilo, o ‘Violão com Voz’!

Antes de avançarmos neste texto, vamos combinar uma coisa, para fins didáticos ok?

‘ESTILO’ é um jeito de tocar e expressar um ‘GÊNERO’.

Por sua vez, ‘GÊNERO’ é uma forma consolidada que pode ser executada de diferentes maneiras, gerando daí, vários estilos.

Um exemplo. Samba é uma forma consolidada. Os diversos estilos de samba, são maneiras diferentes de executar este GÊNERO.

Voltando ao início, quando comecei a compor, inicialmente fui muito influenciado pelos Violões do mestre brasileiro Paulinho Nogueira e do guitarrista e violonista da banda inglesa, Yes – Steve Howe!

Em ambos, a riqueza melódica e harmônica de suas execuções me chamavam profundamente a atenção.

Baden Powell, apesar de toda a admiração que nutria e mantenho pelo seu violão, ainda era uma incógnita entender o porquê de suas cordas me causarem tanto fascínio.

No que se refere à Flauta Doce (instrumento que toquei muito dos 12 aos 14 anos de idade), além dos choros e grupos de música andina os quais conheci ainda criança, por volta dos 11 anos de idade, no Festival Califórnia da Canção Nativa em minha cidade natal, Uruguaiana, a música de 02 artistas me influenciou muito: o argentino Lito Vitale e o brasileiro Egberto Gismonti. Muita coisa destes dois compositores eu executei na Flauta Doce.

Na Bateria, (meu primeiro instrumento, dos 06 aos 12 anos de idade) – as pulsações articuladas e viscerais dos roqueiros Ian Paice e John Bonham, juntamente com os Choros do Pixinguinha, o Clube da Esquina mineiro, com as baterias de escola de samba de minha cidade natal – Uruguaiana(RS) – , a Cova da Onça e Os Rouxinóis, as bandas marciais das Escolas nos desfiles de Sete de Setembro, a música que vinha da Argentina via a fronteira de Uruguaiana e Paso de Los Libres …tudo aglutinado internalizou em mim uma referência clara de que a pulsação estaria inevitavelmente impregnada de visceralidade em minhas composições, mesmo em execuções mais brandas; pelo menos até hoje é assim!

Entretanto, na medida que fui agregando a rítmica (da bateria) à melodia (da Flauta) e harmonia (do Violão) em minhas composições, havia sempre a sensação de que algo estava faltando.

Parecia um quebra-cabeça onde a peça principal sempre estava ausente, ou nunca evidente.

Nesta época, por volta dos 14 anos de idade é que comecei a entender o que era o famoso ‘Violão Percussivo’ brasileiro e a sentir e pressentir o contraponto e a polirritmia na música.

As músicas do grupo Raiz de Pedra e de J.S.Bach foram seminais neste processo da percepção polifônica, juntamente com as obras para Violão de H.Villa-Lobos, Radamés Gnatalli e Leo Brouwer e os tangos de Astor Piazzolla.

E ao buscar incessantemente a tal peça que faltava no quebra-cabeça, resolvi aprimorar meus conhecimentos, em aulas particulares, com dois mestres: a harmonia funcional, forma e análise e contraponto com o Fernando Mattos; e o aprimoramento técnico da minha execução ao violão, com o argentino radicado no Brasil, Eduardo Castañera.

Todo este estudo filtrado ali na minha produção autoral!

A primeira composição que deu frutos dessa efervescência foi a canção “Balaio de Cordas”, uma espécie de samba-maxixado onde no formato ‘Violão com Voz’ ritmo, canto, harmonizo e articulo síncopes, tudo simultaneamente sugerindo um emaranhado sonoro contínuo, ininterrupto.

Nesta época, a expressão ou a noção de um “estilo” que pudesse sintetizar, dar nome ao que eu estava buscando no meu processo autoral ainda era distante e remota.

Porém, eu sabia que aquilo que eu estava fazendo não se enquadrava, digamos, nos formatos ‘Voz e Violão’ e ou ‘Violão e Voz’.

Pensando na expressão COM e tudo que ela sintetiza (conformidade, união, aproximação…) e por nunca jamais ter visto alguém utilizá-la é que surgiu a denominação que me deixava mais confortável para dizer ou denominar o que entendia estar fazendo: Violão COM Voz!

Agregado a este processo de descobertas, pesquisas, estudos e indagações, dois outros autores me impactaram profundamente: Anibal Augusto Sardinha, o Garoto, pela capacidade de síntese em suas obras violonísticas; e Dorival Caymmi pela carga imagética em suas canções, especialmente as praieiras, verdadeiras obras cinematográficas, pois os Afro-Sambas de Baden Powell e Vinícius de Moraes eu já havia degustado!

Até hoje Baden Powell, Paulinho Nogueira, Garoto e Dorival Caymmi são minhas principais referências de processo e síntese, e na expressão criativa, Egberto Gismonti.

Considero lapidar a frase de Egberto quando ao se referir a um processo de busca interior, reflete: “a qualidade da resposta é relativa ao tempo de sedimentação da questão”!

No amadurecimento de todo este processo criei um Curso de Extensão – TAMBURILANDO CANÇÕES – que teve 05 edições semestrais no Instituto de Artes da UFRGS. Todos sob a coordenação do professor e compositor Fernando Mattos.

Etapas

Sistematizei nestes encontros meu processo criativo de arranjo e criação de canções populares num sistema de nove etapas, o qual compartilho até hoje com meus alunos e que descrevo aqui resumidamente:

I. Melodia composta – parto de uma melodia criada inicialmente;

II. Harmonização e rearmonização desta;

III. Abordagem (na rearmonização) intervalar de melodias paralelas (horizontalidade) .

*A partir deste momento o violão é uma pequena orquestra, um grupo de percussão, um piano, uma harpa, um quarteto de sopros, um grupo vocal, um tamborim… enfim, inúmeras escolhas possíveis. Momento também onde as primas e os bordões se independizam e se inter-relacionam;

IV. Escolha do padrão rítmico a partir de um gênero selecionado (baião, ijexá, modinha, bossa nova, lundu, maracatu, milonga, maculelê, valsa, blues, alujá, carimbó, siriá, toada-baião, chamamé, rap, rancheira, samba partido-alto, samba de roda, maxixe, candombe, etc.)

V. Enriquecimento da voz superior;

VI. Complementação do Ritmo da voz inferior

VII. Ornamentação melódica da voz inferior (apojaturas, síncopes, escapadas, nota de passagem, bordadura, suspensão, antecipação, etc.)

VIII. Acréscimo da melodia composta lá na etapa I, incluso com a letra, agora com a parte do violão já desenvolvida;

XIX. Acabamento e finalização do arranjo e da canção.

Obs 1: Recursos também acessados neste processo: polirritmia e rítmica aditiva, fraseologia e desenvolvimento temático, modelo semiótico de análise e feitura de canções de Luiz Tatit, modelo de análise poética de Ezra Pound, modelo de análise prosódica de Fernando Mattos e Modelo de análise fílmica de Michel Chion.

Obs 2: Quanto às texturas, gosto de explorar e interagir com as quatro principais: monofonia, homofonia, polifonia e heterofonia, no arranjo e criação de canções, no formato ‘VIOLÃO com VOZ

O Livro-CD

Resultante de toda esta busca incessante nasceu o meu quarto álbum autoral em formato multimídia: livro, cd e hotsite interativo – o “Tamburilando Canções- Violão com Voz”.

Para dizer de forma rápida o que penso sobre o processo de composição tomei emprestado e adaptei uma frase do cineasta russo, Andrei Tarkovski: Compor é esculpir no tempo!

E assim tem sido!!